sábado, 9 de julho de 2011

O lugar da minha infância


O lugar da minha infância

Aviso: Esse texto é altamete nostálgico e de conteúdo essencialmente auto-biográfico.

E toda vez que eu vou lá eu analiso bem aquela sala, eu conheço bem aquela sala, é a mesma sala que eu corria quando criança, e faz tempo... Quando entro ali eu não vejo só uma mesa de centro, um conjunto estofado e uma estante enorme, vejo a mim e a meus primos, vejo meus tios e tias, minha mãe, minha vó, meu avô, todos distribuindo os presentes de natal, os natais aconteceram ali por um bom tempo, durante toda a minha infância.

Eu vejo naquela sala a minha família toda almoçando num dia de domingo, o almoço gostoso que vovó fazia (e ainda faz), a acomodação se dava na base do improviso pois não cabia todo mundo na mesa da sala de jantar. "Xispa daqui, guri, primeiro os adultos", gritava minha tia baixinha e braba com seu sotaque carregado, gauchês, e seu espírito autoritário/coordenador, típico de filha mais velha. A criançada já sabia das regras, e sempre aguardávamos vovô e companhia comerem pra depois irmos pra mesa. E ainda assim não cabia todos os adultos na mesa de uma vez só, alguns sentavam no chão da sala, comiam na mesa de centro vendo TV, outros no sofá.

Mas isso é família grande, família unida, família feliz, pensa que alguém se importava em comer no chão ou no sofá? Claro que não, ao contrário, eram os melhores lugares pois era onde tinha mais bagunça e gritaria. E nessas reuniões de família tudo era motivo de alegria, risadas, "refestelo", como diz minha mãe. O barulho tomava conta e só dava trégua na hora em que vovô ia se deitar após o almoço, ninguém ousava subir o tom da voz, "shhhhhhhhhh, cala a boca que teu avô tá deitado", era o que ouvíamos se fizéssemos algum barulho.

Quando eu entro naquela sala eu vejo logo a mesa de centro, ela ainda se mantém lá, há quase trinta anos (mais velha que eu!). Depois vejo o sofá, que também é o mesmo, de fato ele foi reformado algumas vezes, trocaram o enchimento e o revestimento, mas ele não me engana não, é o mesmo sofá que eu tanto sentei por anos e anos, toda noite, todos os dias.

Quando eu olho as pranchas da sala eu vejo os enfeites de plástico, de vidro, de barro, são os mesmos, alguns são lembranças de viagens "estive num-sei-aonde e lembrei de você", a maioria são objetos sem qualquer valor agregado, sem sofisticação alguma, mas com um valor sentimental inestimável. Também tem os porta-retratos que parecem nunca ter sido renovados, as fotos são antigas, bem antigas, mas continuam adornando a sala e enchendo-a ainda mais de lembranças.

Outra parte que gosto bastante é a sala de jantar, afinal é lá que tudo acontece. Ela é bem simples, só tem uma mesa grande que é a mesma de quando eu era criança, só ganhou um tampo novo, de pedra, e um armário bem alto embutido na parede. As paredes são revestidas com um azuleijo florido azul, que me lembra tanta coisa... Tantos momentos que eu vivi ali e estava olhando para aqueles azuleijos, tantos aniversários comemorados ali naquela mesa, naquela sala de jantar, com bandejas de docinhos que vovó fazia na véspera, à mão (não se comprava em delicatessen como hoje), com bolas que nós mesmos enchíamos, com os vizinhos que íamos chamar batendo na porta, meu Deus, isso não existe mais... E não faz tanto tempo assim, isso foi há uns 15 anos atrás.

Tive a sorte de ainda pegar o tempo de brincar com os "amigos do prédio", com os "amigos da rua". O térreo do prédio tinha uma área de terra e era lá onde os garotos se juntavam pra jogar bola de gude, futebol, subir no pé de manga... Além disso nos juntavamos na casa de um e de outro pra brincar de imagem e ação, lego, playmobil e video game. Quando eu estava na casa de algum vizinho e dava a hora de voltar pra casa, pra jantar e tomar banho, mainha gritava da janela pelo meu nome, e eu gritava de volta "só mais dez minutos, mãããe". Se ela deixasse eu ficava mais 10 minutos, mas depois voltava logo, senão levava chinelada e ela não me deixava descer no dia seguinte, ficava de castigo em casa.

Faltou falar da cozinha, a cozinha mudou bastante, alguns aparelhos mudaram, outros chegaram, mas a cozinha sempre foi bem apertada por isso algumas pranchas ajudaram a criar um espaço extra que não existia no meu tempo de criança. Mas basicamente é a mesma cozinha, os talheres e potes ficam no meeeesmo lugar de sempre e eu conheço onde fica cada coisa. Lembro de tantas vezes que fiquei ali sentado no chão da cozinha, raspando a panela da cobertura do bolo que vovó havia feito. Outras vezes eu ficava lá conversando com vovó, ou quando mainha estava estressada, ou quando eu estava de castigo, ia pra cozinha e ficava quietinho ali sentado no chão enquanto vovó lavava a louça e organizava tudo. Hoje é a mesma coisa, acabado o almoço ela vai lá organizar tudo, mas eu não tenho mais tempo de ficar lá sentado no chão fazendo companhia a ela.

Aquele apartamento me inunda de lembranças, conheço cada lugarzinho dele, cada porta empenada, cada rachadura das cerâmicas do chão, tenho todas mapeadas na minha cabeça, sei de todos os defeitos, conheço o 'jeitinho' de abrir cada porta ou janela sem que emperrem ou façam barulho; conheço esse apartamento como a palma da minha mão.

O banheiro social, esse eu sempre achei estranho pois duas paredes dele têm azuleijo marrom escuro, é uma cor estranha de se usar na parede.

Eu sei o lugar onde se guarda cada coisa, desde o guardanado novo até o enfeite de natal que só é tirado uma vez por ano. E os enfeites de natal, diga-se de passagem, em boa parte ainda são os mesmos de quando eu era criança, mudou a árvore, diversas vezes, e se acrescentou alguns enfeites, mas muitos têm anos e anos, e muita história pra contar.

Eu acompanhei cada mudança daquele lugar, que foram poucas, cada grade que foi colocada, a mudança da TV, do microondas, da estante da sala, das mesas do terraço, tudo eu vi de perto. Eu sei que pra fechar a janela do terraço é preciso suspendê-la levemente pra não fazer aquele barulho estridente e a porta do armário do quarto de costura de vovó só fecha com a chave, trancando. Também sei que a chave do quarto de vovô abre também o quarto de costura.

O tal quarto de costura ainda existe, e no meio dele há uma mesa grande com a máquina de costura de vovó, é uma mesa própria pra máquinas de costura que talvez nem exista mais hoje em dia, ela se abre e a máquina "mergulha nela", ficando embutida, oculta. As paredes desse quarto podem até ter ouvidos, mas seguramente não tem boca pois se pudessem falar o que já ouviram... Era lá que ocorriam as reuniões pós-almoço, alguns ficavam na bicama, outros no chão, nas almofadas, nos banquinhos ou na cadeira de balanço, mas todos se acomodavam de alguma forma. E tome conversa, e risadas. Ah, lá também ocorriam as trocas de presentes, sempre tinha uma tia que chegava com uma sacola de presentes, "repasses", ou encomendas, e era lá que se fazia a distribuição, no quarto de costura.

A última parte do apartamento que eu passo é o terraço, ele sempre foi meio vazio, talvez por ser pequeno, estreto, mas era lá onde eu brincava, gostava de espalhar todo meu lego, guardava-o numa maleta bem grande, então lá eu espalhava-o no chão e montava mil coisas. Quando era guri às vezes mainha me botava de castigo lá no terraço, e eu também me sentava lá na cadeira quando estava triste e queria ficar sozinho, pensando. Lá eu criei alguns hamsters, soltos que corriam pra lá e pra cá. Mainha não gostava nem um pouco deles no começo, mas depois passou a cuidar mais do que eu e se apegou tanto que quando morreram não quis mais. Aí eu resolvi 'criar' cactos e estes cresceram, cresceram, cresceram até que tivemos que plantá-lo lá em baixo na área comum do prédio.

É apenas um pequeno apartamento, não sei como cabe TANTA lembrança em tão pouco espaço. Esse texto é só uma pequena amostra do que recordo quando entro lá, é como um iceberg que só mostra a pontinha, a maior parte fica oculta pela água fria.

Nota: Faltou relembrar a cena clássica do meu avô, gaúcho, à mesa falando para os netos: "Vocês são tudo uns nordestinos, bah, comem até macarão (ele pronuncia com um r mesmo) com farofa." Eu rio muito quando lembro disso...

[Mente Hiperativa]

2 comentários:

  1. Me deu saudades da casa de vovó também. Hoje os netos crescidos e ela na espera. Quase morre de rir quando bate o pé e diz aos netos: Só morro quando meus bisnetos bagunçarem por aqui como vocês faziam. Pena, que eu sou a mais velha e nem um namorado eu tenho ainda, quanto mais um bisneto pra ela. kkkkkkkkk. Foi triste, vovó. Mas, ninguém ta com pressa que ela morra mesmo...
    Beijo.

    ResponderExcluir
  2. Oi amigo!
    Quero te dizer que ando lendo alguns relatos seus, e fico sempre refletindo sobre algo que vc escreve...
    Eu agora sou colaboradora do Blog brasil Bipolar, espero que nao se importe se eu as vezes colocar alguns trechinhos de relatos teus para ajudar os muitos bipolares que passam por la...
    Este e um pedido de autorizacao amigo.
    Deus o abencoe sempre
    Marly

    ResponderExcluir

Deixe sua opinião: